Parte do álbum “Zé Ramalho II”, a música bebe da fonte da literatura distopia
“Admirável Gado Novo” é um grande sucesso do cantor e compositor Zé Ramalho. Quem nunca cantou o trecho “Êeeeeh! Oh! Oh! Vida de gado Povo marcado, Éh! Povo feliz!” com os amigos, não é? Mas muito além das frases marcantes, essa música discursa sobre um mundo onde o progresso fala mais alto que a vida. De como o povo pode ser controlado e que se desde que algumas necessidades sejam satisfeitas, outras não são importantes a ponto de se pensar sobre elas.
A obra do inglês Aldous Huxley “Admirável Mundo Novo”, que inspirou Zé, fala sobre um futuro onde as pessoas já não são geradas, mas sim produzidas a partir de um processo de incubação, e que após o nascimento outro processo chamado de condicionamento determina como cada um viverá a sua vida. Nesta distopia mundialmente conhecida, sociedade é dividida em castas e cada uma dessas castas corresponde à vida que o individuo terá. É a casta que define o que a pessoa aprenderá, onde trabalhara, do que gostará e até quando oxigênio ela respirará. E é ai que vemos o reflexo do livro na música:
“O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam essa vida numa cela”
A letra conta sobre um povo que aceita todo que lhe é imposto sem questionar ou contrariar. “Vida de Gado” faz referência as pessoas das castas mais baixas citadas no livro, que passam por um processo chamado Bokanovsky que gera pessoas numa escala industrial, tornando umas às outras iguais assim como o gado da música:
“Ê, ô, ô, vida de gado
Povo marcado, ê!
Povo feliz!
Ê, ô, ô, vida de gado
Povo marcado, ê!
Povo feliz!”
O autor fala sobre um tempo agradável e um sistema que cuida do “normal”. Uma alusão a outro clássico diatópico, o livro “1984” de George Orwell. Nele o “grande irmão” cuida de todos e vigia com vários olhos o que as pessoas fazem. Ou seja, a vida que tem que ser regrada e controlada para garantir a ordem social:
“Lá fora faz um tempo confortável
A vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia
Os homens a publicam no jornal”
Nas duas obras, tudo que se faz é justificado e em nome do progresso. O que na música se vê no trecho inicial:
“Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber”
E no fim por mais triste que pareça, a desesperança predomina diante de um cenário diatópico. E para Huxley quem tem a consciência de que algo não está certo se acomoda e quem não tem se conforma:
“Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo se acabar
A arca de Noé, o dirigível
Não voam, nem se pode flutuar”
“A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonham se quer com fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e o divertimento os escravos terão amor a sua escravidão” Aldous Huxley