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O racismo institucional dentro do ambiente de trabalho para mulheres negras

Aumentam denúncias de atos racistas entre jovens da região de Jundiaí


Por: Mayara Martins - 26 de outubro de 2022 às 19:57


Grupo de mulheres negras com vários estilos de cabelo (imagem da internet)

Na pirâmide social, a comunidade negra está sempre colada na base, e embora seus anos de escravidão tenham chegado ao fim, para as mulheres negras que ainda são carregadas com estereótipos de beleza, trabalho e afins, a questão racial prejudica o seu dia a dia.


Em uma entrevista realizada pelo O Jornaleiro com cinco jovens mulheres negras, com faixa etária entre 19 a 26 anos, todas registraram episódios de racismo em seus ambientes de trabalho, sendo que a maioria dos casos não chegou a um fim infeliz. Apesar de toda a situação ter gerado desconforto, apenas uma chegou a ter seu emprego perdido.


O artigo Racismo Institucional e a saúde das mulheres negras, de autor desconhecido, publicado em 17 de setembro de 2022 no site Agência de Notícias da Aids, cita a fala de Lélia Gonzalez pioneira no estudo sobre a cultura negra no Brasil) de como esse assunto é tratado. “[...] é preciso entender que o racismo produz duplo impacto nas mulheres negras, contribuindo para a criação de estereótipos como mulata, mucama, mãe preta e por aí vai. Para a mulher negra, o lugar que lhe é reservado é o menor. O lugar da marginalização. O lugar do menor salário. O lugar do desrespeito em relação a sua capacidade profissional”.


“Eu fui a única a passar por isso no dia. Tudo isso pelo meu cabelo ser cacheado e eu ser negra”

Todas as dificuldades apontadas pelas jovens vão além daquele machismo do qual todas as mulheres enfrentam em seu dia a dia. Ao ponto de serem tratadas de maneiras ofensivas e humilhantes dentro do ambiente de trabalho, em uma Pesquisa realizada pelo movimento Potências Negras em junho de 2022 por Marta Cavallini no Portal Geledés mostra que 63% das mulheres negras já foram discriminadas em processos seletivos para vagas de emprego – 62% afirmaram que sentiram discriminação mais de uma vez.




Ingrid Calwany, 21 anos arquivo pessoal


Ingrid Calwany (21) trabalha na área de logística e em seu processo diário para entrar em uma área restrita foi discriminada ao ser a única pessoa de seu grupo de trabalho a ser revistada. Ela levou o caso ao seu superior mas nada foi feito.

Além dela duas de suas colegas que são negras que não quiseram ser identificadas já passaram por desconfortos ao receberem comentários maldosos sobre sua aparência e ao serem revistadas de maneiras mais invasivas no ambiente de trabalho. “Uma vez a guarda passou o detector de metal dela no meu cabelo todo, chegando a enroscar o objeto no meu cabelo. Eu fui a única a passar por isso no dia. Tudo isso pelo meu cabelo ser cacheado e eu ser negra, fui a única parada e a única revistada dessa maneira.” diz uma das jovens de 21 anos.


Ainda segundo o artigo, Luciana Jaccoud, doutora em sociologia diz: “A presença do racismo, do preconceito e da discriminação racial como práticas sociais, aliadas à existência do racismo institucional, representam um obstáculo à redução daquelas desigualdades.”(Jaccoud, 2008, p. 137).


De acordo com o levantamento do Data_labe, postado pela jornalista Nathalie Páiva de 18 de agosto de 2021, a possibilidade de mulheres negras estarem em situação de desemprego era de 9,2%, no primeiro semestre de 2021 em relação a homens brancos. Jurema Werneck, médica e feminista negra brasileira, especifica como o racismo institucional se manifesta, nas estruturas organizacionais da sociedade priorizando os interesses do grupo hegemônico, negligenciando e deslegitimando as necessidades dos outros, prejudicando principalmente as mulheres negras na hora de procurar um emprego.


Gabrielle Ramos (25) trabalhou em um restaurante onde passou por, não só um, mas vários episódios de racismo. A jovem conta que os pais idosos de seus chefes sempre a tratavam de maneira racista durante o trabalho e que nunca fez nada na época por medo de perder o emprego. “Tem aquelas pessoas mais de idade, e a pessoa coloca a culpa da criação que ela veio, mas não, não é. Porque a gente evolui com o tempo e aquilo não é evoluir”, diz Gabrielle que foi alvo de preconceito racial principalmente pelo seu cabelo afro.


Em um de seus relatos ela fala que: “O pai do dono do restaurante já fez vários comentários sexistas e racistas. Uma vez eu coloquei as tranças, a cobre e ele ficou olhando e perguntou o que é isso na sua cabeça e eu falei trança. Aí ele falou, ‘que coisa feia parece aquelas coisas de prender escravo, que a gente usava, aquelas cordas para prender escravo, muito feio’”.


“A loja não tinha normas, nem de uniforme nem quanto ao modo de usar o cabelo, não tinha um padrão”.

Para alguns, essa seria apenas mais uma opinião, mas para Gabrielle essas “opiniões” a deixaram triste e prejudicaram sua autoestima. Em outro caso, no mesmo local ela foi elogiada por esconder seu cabelo na touca, mas não por higiene dentro da cozinha e sim porque seu cabelo estava contido e escondido, pois segundo eles o cabelo era feio e deveria ser sempre daquele jeito.


Outra jovem de 20 anos que optou por não ser identificada, passou pela mesma situação há algumas semanas e perdeu seu emprego após questionar o porquê de seu cabelo ser o único a ficar preso. “A loja não tinha normas, nem de uniforme nem quanto ao modo de usar o cabelo, não tinha um padrão”.


Ilustração de mulher negra com cabelo afro (imagem da internet)


A jovem foi de cabelo preso na primeira semana por opção própria, mas na segunda semana decidiu ir de cabelo solto. Nesse momento, sua chefe disse que o cabelo solto não a valorizava pois escondia seu rosto, no outro dia ela foi novamente e sua chefe a chamou. “Disse que não entendi direito o recado, que era para utilizar sempre preso porque chamava muito atenção e após questionar só porque eu deveria, ela disse que era porque o cabelo delas era liso e os clientes poderiam não gostar do meu e que ele me prejudicaria”. Ao passar por isso e perder o emprego, a jovem procurou uma advogada, mas nada poderia ser feito, pois nenhuma funcionária da loja testemunharia a seu favor. Hoje, a garota continua desempregada e zela pela sua identidade. “Nós mulheres negras já passamos por muitos processos para amar nossa beleza e lutar contra as inseguranças criadas pelo padrão inalcançável.”


Assim como Ingrid, Gabrielli e as outras jovens citadas, muitas outras passam por essas situações todos os dias em seus empregos e maioria nem tenta denunciar por medo de perder o trabalho e por achar que não vai dar em nada, mas é importante que saibam que a legislação define como crime a discriminação pela raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, prevendo punição de um a cinco anos de prisão e multa aos infratores segundo a Lei 7.716.







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